Formas inovadoras de comunicar Ciência

Unidos pelo mesmo objetivo de ampliar a divulgação científica no país Filiipe Costa/Rastro
Karine Rodrigues
Modos de divulgar Ciência? Além das formas tradicionais, há um universo de possibilidades: um museu tão pequeno que você pode abraçá-lo dando as mãos para um par de amigos, vídeos, workshops, podcasts, fotonovelas, programas musicais, encontros em bares.
Maneiras inovadoras apresentadas ou entreouvidas nos corredores ao longo desta terça-feira (4), durante o primeiro dia do Camp Serrapilheira, no Museu do Amanhã (Rio) – o evento segue até sexta (7) – dão mostras de quão rica e variada é a atividade de compartilhar conhecimento para apreendermos o mundo.
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No primeiro dia do evento – iniciativa do Instituto Serrapilheira na área de divulgação científica, para compartilhar experiências e ampliar seu impacto no Brasil -, a plateia de 400 pessoas, entre cientistas, comunicadores e representantes dos 50 projetos nacionais selecionados em chamada pública, em abril, conheceu quatro inovadores projetos internacionais na área.
Além das apresentações, foram realizadas duas sessões de debates com os responsáveis pelas experiências estrangeiras, mediados por Branca Vianna, presidente do Conselho Administrativo do Serrapilheira, e a física Katemari Rosa.
Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o sociólogo Yurij Castelfranchi iniciou o dia apresentando pontos que ele considera essenciais na divulgação científica, após uma experiência de 20 anos na área.
“Cultura científica é muito mais do que alfabetização científica”, destacou, citando pesquisas que mostram que a associação entre escolaridade e interesse em ciência não é direta.
Em “O hacker e a gambiarra: surpresas e desobediências da divulgação científica’, Castelfranchi explicou que a palavra gambiarra costuma ser usada em tom pejorativo, mas, entra aqui como uma referência ao processo de recriação e inovação desencadeado com uma divulgação científica bem-sucedida. “Não é as pessoas se apropriarem de um conhecimento que não tinham. É mais. É tornar possível abrir esse conhecimento, desmontá-lo e montá-lo. É um hacking epistemológico e político da divulgação científica. Passar informação não é suficiente. Temos de catalisar gambiarras.”
Diretor científico do Perimeter Instituto, Greg Dick disse acreditar que outra importante maneira de ampliar o alcance é encontrar os parceiros certos. Centro de pesquisa em Física Teórica do Canadá, a instituição também atua na área de divulgação. Professores são treinados para repassar aos estudantes tópicos avançados sobre o conteúdo, por meio de atividades lúdicas e desafiadoras.
Criado em 1999, além do programa de pós-graduação, inspira as novas gerações com festivais de ciências, palestras públicas, cursos para estudantes e professores e materiais didáticos. Um dos programas leva 40 adolescentes – metade canadense e metade de outros países – para um workshop na sede do instituto.
Para dar escala à atuação, o Perimeter trabalha em parceria com governos e instituições privadas. Atualmente, estão em 85 países, entre eles o Brasil, onde contam com apoio do Serrapilheira para um programa de formação de professores na Unesp.
Dick destacou a importância de um encontro realizado em 2012 com divulgadores científicos de várias partes do país, a Youtube Un-Conference, onde partilharam ideias e ampliaram o alcance do público. “A partir daí, os 5 milhões de visualizações [dos vídeos dos projetos participantes] pularam para 6 bilhões de visualizações.”

Fundadora da Iridescent, Tara apresentou a plataforma Curiosity Machine Filipe Costa/Rastro
A engenheira espacial Tara Chklovski, fundadora e CEO da Iridescent, sabe quão longe é possível chegar quando se faz divulgação científica de forma comprometida. A organização sem fins lucrativos que capacita crianças, em especial, meninas, para se tornarem líderes na área de STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática), desenvolve, desde 2011, o Curiosity Machine. Gratuita, a plataforma online oferece desafios que objetiva envolver crianças e pais num interativo aprendizado científico.
Na apresentação, na qual destacou o papel da inteligência artificial, Tara contou que a atitude questionadora diante do mundo está na base das iniciativas que criou e hoje este presente em 115 países. A instituição promove cursos para dar as ferramentas básicas de comunicação para cientistas.
“Já treinamos 700 mil engenheiros e cientistas em todo o mundo”, revelou, contando que eles aprendem a mostrar conteúdos científicos por meio de objetos prosaicos, como canudos.
O olhar criativo para objetivos do dia a dia pode ajudar também em meios mais tradicionais de comunicação, como o rádio. O podcast Science vs. é exemplo disso. Criado por duas jornalistas australianas, há dois anos é desenvolvido nos Estados Unidos, após convite da rede de posdcasts Gimlet Media. Os episódios surpreendem o público com temas acalorados ou inusitados, como armas, seres extraterrestres, dietas e circuncisão, apontando o que é verdade e o que é mito.
Para produzir o programa há um longo processo. “São necessárias oito semanas para fazer um episódio”, disse Kaitlyn Sawrey, contando que, ao longo do tempo, foram desenvolvidas técnicas para extrair das fontes, no caso, cientistas, o que elas têm de melhor, como pedir que o conteúdo seja explicado como se fosse para uma criança de 12 anos. O programa sobre guerra nuclear teve 44 versões.
Assim como o Science Vs, a MICRO nasceu em dupla. Amanda Schochett, cientista, e Charles Philip, da área de propaganda, criaram em 2016 um projeto de minimuseus itinerantes. “Pequenas coisas podem provocar grandes mudanças”, observou ela.
Para chegar ao público que, muitas vezes, não frequenta os museus tradicionais, a dupla levou as criações, uma espécie de totem de menos de dois metros de altura, a hospitais, shoppings ou qualquer outro lugar que os solicite.
Além do Smallest Mollusk Museum, eles estão finalizando o Perpetual Motion Museum, que aborda conhecimentos de física e engenharia, como termodinâmica. Em cinco anos, esperam ser o museu mais visto no mundo. No debate que se seguiu à palestra, a plateia perguntou sobre outras possibilidades temáticas do MICRO. “Somos interdisciplinares”, observou Schochett.

No primeiro dia do Camp Serrapilheira, cinco apresentações e dois debates
O dia de atividades, que abriu com o diretor-presidente do Serrapilheira, Hugo Aguilaniu, mencionando o trágico incidente no Museu Nacional – o fogo destruiu um acervo fundamental para o entendimento do Brasil e do mundo –, continua até sexta-feira (7) com workshops e apresentações dos 50 selecionados. Eles foram escolhidos de um grupo de 871 propostas de 23 estados.
Como lembrou no início do Camp a diretora de Divulgação Científica do Serrapilheira, Natasha Felizi, a divulgação científica não é algo que se produz posteriormente à pesquisa, mas uma preocupação que precisa estar presente desde os primeiros passos do estudo. Juntos, os profissionais reunidos no evento têm até sexta-feira para trocar experiências sobre a melhor forma de fazer isso uma realidade no Brasil.
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